Como não têm memória visual, os cegos de nascença não sonham com imagens - e sim com os outros sentidos: ouvem coisas, têm sensações táteis e sentem cheiros. Também sonham que estão fazendo algum movimento e, assim como as pessoas que enxergam, é comum sonharem que estão voando ou caindo de grandes alturas. "Essas sensações estão presentes também nos sonhos das pessoas com vista normal. Só que nelas o sentido da visão predomina, chegando a ocupar 70% do sonho, enquanto os outros sentidos muitas vezes passam desapercebidos", afirma o neurologista Rubens Reimão, especialista em distúrbios do sono do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Se há um sentido que costuma predominar nos sonhos dos cegos, é o da audição. Já aqueles que não nasceram cegos, mas perderam a visão por doença ou acidente, possuem memória visual e podem sonhar com imagens. A quantidade e a forma dessas imagens irão depender da época de quando a pessoa perdeu a visão.
Se, por exemplo, ela ficou cega com menos de um ano de idade, serão imagens muito rudimentares, pois os bebês ainda não conseguem enxergar direito.
Fonte: Mundos Estranhos
APROFUNDANDO
Como Sonham os Cegos.
18/02/2006 - Beto Ugarte
Não me atreverei a dar uma resposta mais genérica, pois ainda existem poucas pesquisas a esse respeito. Tratarei de responder a essa pergunta através de minha própria experiência, e a de outros cegos, aos quais agradeço a contribuição.
Normalmente os cegos de nascimento, ou os que perderam a vista com pouca idade, não sonham com imagens, mas em seus sonhos podem falar, escutar, sentir, cheirar, saborear, etc. Os cegos que perderam a visão com mais idade, possuem imagens em seus sonhos, mas estas podem ir diminuindo com o tempo, e mesmo desaparecerem por completo. Geralmente, os cegos que perderam a visão já adultos, podem sonhar alguns dias com imagens, outros sem elas.
Para dar a esse tema um caráter mais prático, citarei o testemunho de alguns cegos adultos, que colaboraram relatando ou explicando seus próprios sonhos, deixando mais claro como sonham os cegos.
Angela Marín, 27 anos. Cega total de nascimento.
Geralmente meus sonhos se repetem e as pessoas com quem sonho também. Sonho que estou com meus pais, em casa ou no carro, ou caminhando com meus amigos. Em meus sonhos não os vejo, mas sei que estão ali, que me falam. Eu os escuto e respondo. Uma vez sonhei que estava viajando para Cuzco em um avião em companhia de minha irmã e uns amigos. E eu lhes dizia:
- Como vamos chegar? É possível que nos afete a altura.
E eles diziam:
- Não importa. Anime-se e vamos. Se tivermos problemas, regressamos.
Em meus sonhos não vejo, porém em ocasiões posso cheirar. Já sonhei que comia e que podia cheirar, saborear a comida.
Luis Alberto Nakamatsu, 34 anos. Cego total de nascimento.
Eu sonho com as coisas que faço sempre. Também sonho com as pessoas com quem convivo regularmente, que podem ser os amigos, pais, namoradas. Não existem imagens, porém, somente sons, tatos, cheiros, prazer e dor, sentimentos.
Fernando Montez, 29 anos. Cego desde os 9 meses de nascido, com cegueira total.
Em meus sonhos nunca vejo, mas posso escutar, falar, inclusive cheirar. Assim mesmo, muito poucas vezes sonho que caminho na rua com a bengala, embora, na vida real, eu o faça muitas vezes. Algumas vezes sonho que converso ou me dirijo a pessoas cujas vozes, em realidade, nunca escutei antes. Por exemplo: sonhei que conversava com uma menina e, como é óbvio, ouvia sua voz. Entretanto, nunca a escutara falar na vida real, embora a tenham descrito para mim. Certa ocasião, lendo um famoso romance, sonhei que falava com uma mulher, uma das personagens da obra e, apesar de ser um personagem totalmente fictício, no sonho pude ouvir sua voz.
Outra vez sonhei que me encontrava na praia com umas amigas que só conhecia no sonho. Eu conversava com elas contente quando veio uma onda gigantesca, mas antes que esta onda chegasse até a mim, fui levantado no ar por uma ventania: pude sentir (tato) claramente como aquele forte vento me levantava. Permaneci no ar durante uns 7 a 10 segundos, quando caí lentamente além de um pequeno muro que estava perto da praia, onde se encontravam minhas amigas, que comentavam, de forma breve, o que eu havia passado. Logo segui falando com elas, feliz e ileso.
Charo Galarza, 33 anos. Cega desde os 2 anos.
Em meus sonhos existem sons e vozes, além de cheiros e sabores. Não sonho com imagens. Dificilmente sonho que estou andando com minha bengala e, geralmente, estou sozinha caminhando por lugares que conheço ou, em outros, com pessoas que me guiam.
Gustavo Adolfo, 40 anos. Cego desde os 7 anos.
Até meus 10 ou 12 anos, eu via em meus sonhos, depois comecei a sonhar sem ver. Quando em meus sonhos eu via, era com lugares que eu tinha conhecido ao enxergar, mas quando eu comecei a sonhar sem imagens visuais, começaram a aparecer lugares que eu não conhecia. Recordo que, quando eu era menino, sonhei que eu estava com um amigo e que caminhávamos pelo pátio de uma casa. Eu via uma mancha ao fundo em uma parede e disse a ele que ela poderia nos fazer dano. Então ele começou a correr, mas quando quiz fazê-lo também, senti como se minhas pernas fossem de chumbo. Corria muito devagar, com passos muito lentos, pesados. Sem dúvida, desde meus 10 ou 12 anos não conseguia mais ver bem em meus sonhos, como poderia correr?
Em meu primeiro sonho, que eu me lembre, em que não podia mais ver, eu estava em um colégio que fica no distrito de Barranco. Eu caminhava em seus ambientes, estranhos para mim.
John Hinojosa, 23 anos. Cego total desde os 9 anos.
Eu perdi a vista aos 9 anos e quanto mais passava o tempo eu ia sonhando como percebo as coisas agora, ou seja, sem visão. Quando tinha 15 ou 16 anos sonhei que estava em um anfiteatro com várias pessoas, que me pediram para eu falar 3 números. O primeiro que dei foi o número 8. Então todos moveram a cabeça para mostrarem seu desacordo com minha escolha, e tudo começou a se destruir. As pessoas caíram esmagadas e logo eu estava numa terra desértica, onde havia montes de entulhos, muita destruição. Nesse pesadelo pude ver com imagens o anfiteatro com as pessoas, e como as coisas eram destruidas.
Todavia, aos 18 anos, a metade dos meus sonhos eram com visão. Agora tenho as imagens visuais menos perceptíveis. Raras vezes sonho com branco, todo os sonhos são meio obscuros, nublados. Desde que sou cego só me recordo de sonhar umas duas ou três vezes com imagens de cores claras como o branco. Quando sonho com pessoas, só as escuto, mas quando sonho com objetos, os percebo com mais detalhes. Sonho mais com o mar, os montes, que com meus sonhos posso recordar, mas o rosto de pessoas não.
Lucio Suárez Sánchez, 30 anos. Cego total desde os 17 anos.
As vezes sonho vendo, as vezes como agora, ou seja, sem ver, mas posso escutar. geralmente quando sonho e vejo é em qualquer ambiente, porém nesses sonhos não estou à noite. Muitas poucas vezes sonho vendo e no sonho estou de dia. Também em meus sonhos, posso ver a gente que conheci depois de perder a visão. Eu as conheço pela descrição que as pessoas me fazem delas. Construo em minha mente uma espécie de progressão visual dos rostos.
Víctor Hugo Vargas. 37 anos, cego desde os 20 anos.
"Eu vi durante muito tempo, então tenho uma lembrança clara e precisa de algumas coisas, mas existem outras imágens que se vão perdendo em minha mente como uma bruma. Em muitos de meus sonhos eu posso ver, mas nem sempre sonho que vejo. Às vezes em meus sonhos existem simplesmente recordações sonoras. Tenho sonhos onde não lembro se vi ou não. Mas existem outros sonhos onde vejo claramente, por exemplo, há pouco sonhei que estava lendo um jornal. Geralmente meus sonhos são relacionados à paisagens ou acontecimentos de todo tipo."
Obs: Esse texto foi retirado do site peruano: www.infociegos.com , pertencente al Sr. Beto Ugarte, cego desde os 9 meses de nascido.
Traduzido por mim, Marco Antonio de Queiroz, MAQ.
FONTE: BENGALA LEGAL
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